Especulação Imobiliária em Salvador - Bahia

 



A especulação imobiliária em Salvador-Bahia está comprando tudo, até os políticos. O custo disso p população será desastroso. Ano q vem tem eleição para prefeito e vereadores... Vocês vão reeleger os mesmos de sempre? Os vendidos vendilhões que vão PHODER mais ainda a Cidade?


Há muitos anos, 1997, no milênio passado, escrevi um conto que denunciava o que acontecera no bairro da Pituba e posteriormente no Jardim de Alah, Costa Azul, ou antigo bairro do STIEP.
Neste conto eu denunciava os malefícios da especulação imobiliária. Hoje, com agressividade e ganância muito superior a narrada, lembro aos leitores que em 2024 haverá eleição para Vereadores e Prefeito. Ou seja: seu voto pode atrasar e/ou evitar tal destruição.

leia o conto e entenderá.

Xaréu

             Quando criança costumava, nas férias, acordar e ir à praia para assistir arrastões. Deslumbrava-me ver os pescadores invadirem as águas do mar, e de lá, buscar os peixes que eu saboreava de diversas maneiras, preferencialmente, na moqueca feita por Maria. Mulher humilde, de nenhuma letra, mais muito culta nos sabores baianos. E numa dessas vezes, fui notado e convidado por um jovem pescador de nome Pepira a acompanhá-lo. É essa é a história.

Era cedo para o dia. Cedo também para mim na busca de uma vida de obrigações. Mas, eu andava ao nascer do astro rei, prelúdio da manhã, com Pepira, beirando o mar e observando a maré. Naquele dia, em especial, o sol demoraria a sair devido ao cinza escuro que encobriu a linha imaginária no vergar do oceano...

— Olha, Zé! Ta vendo!? Lá no fundo! Não está vendo o encrespado da água!? É xaréu! Cardume grande vindo pra beira. Vou buscar meu povo. Fique de olho. Olha lá, Zé! — Pepira, eufórico, repetiu a sentença apontando o dedo para o cardume de peixes:

            — Lá por baixo das gaivotas, não está vendo!? É tainha e xaréu. Vou correndo. Prenda os olhos nas gaivotas ou no encrespado da água e não perca de vista... Volto já.

Ele saiu numa carreira só. Eu fiquei ali espiando sem ver, mas fingia avistar, o cardume crispando na flor d’água. — Estava frio. Não o frio seco da serra de Vitória da Conquista, onde eu morava. Era um frio diferente. Era um frio úmido de vento cortante e de fazer tremer o queixo, era frio salitrado.  — Pepira corria para, em meio às cabanas de taipa, gritar:

— Xaréu!... Xaréu!

            E eu o olhei berrando e correndo em disparada e, novamente, voltei meus olhos para nada ver na flor d’água a não ser o azul.

            Atendiam aos gritos homens fortes, velhos e moços. Corriam em direção às canoas na praia do "Chega Nego". Toros, feitos com troncos de bananeiras, eram subpostos como rodas e a revezá-los sob os barcos, os homens empurravam as embarcações que escorriam sobre os troncos em direção ao mar até atingirem a linha d’água. As ondas da maré altas elevavam a proa das canoas em direção ao céu onde estouravam fazendo surgir da espuma expandida belos arco-íris. As mesmas pessoas que empurravam as frágeis embarcações entravam totalmente na água e se dependuravam nos bicos e nas laterais impedindo-as que virassem.

            Já de pé sobre o barco maior, imponente, Pepira gritou:

            — Vem Zé!, monta logo, corre! Vem! Eu ajudo...

O medo que se apossava de mim foi espantado pelos gritos alegres dele. E eu, menino de rio, tremendo de frio, pulei as espumas das ondas arrebentadas enquanto corria até a popa da canoa, oposta a proa, de onde Pepira continuava a reger os bravos pescadores:

— Ajudem  ele! O menino é nadador. Ajudem-no a subir!

Ainda me lembro das mãos ásperas de um galego forte que me segurou pelas coxas finas e me jogou para dentro da canoa maior. O solavanco levou-me a cair sobre uma macia rede de náilon.

A canoa que eu estava ia à frente com Pepira vogando e cantando no ritmo das remadas firmes. A chuva prevista iniciou mansa e foi ganhando força. E engrossava os pingos dando maior beleza ao tapete azul do mar na medida que encrespava ainda mais os respingos provocados pelos peixes que agora eu podia ver nitidamente. O cardume serpenteava indo e voltando. Alguns peixes pulavam a ermo, outros, invadiam as embarcações. Quando chegou o momento de jogar a rede, Pepira gritou:

— Arria! Arria! — Os dentes brancos dele me mostravam a alegria dos que vão buscar a vida sem medos, onde o trabalho é só gozo.

A bracejar, a "tresmalhos" era solta pontilhando o mar com boias brancas, de isopor, enquanto a chumbada, pesada, afundava sua parte de vez. E assim era feito o cerco em arco. Os canoeiros começavam, então, a bater os remos na água com vigor.

Pepira atirou-se ao mar da proa da canoa e foi nadando e gritando:

— Vem Zé! Ajuda a cercar!

Seguindo seus comandos eu me joguei atrás dele:

— Espanta pra rede! — ele gritava — Vai, Zé! Bata na água! Espanta pra rede...

Um vulto escuro se desviava dos sopapos dados por mim na flor d’água, enquanto nadando, eu fui cercando os peixes onde a trama de náilons não havia chegado. Quando me cansava, com o corpo gelado e dolorido, apoiava-me numa embarcação para que outras gentes se atirassem em minha substituição.

Só Pepira não buscava descanso. Só Pepira não sentia frio. Só Pepira não tinha medo dos peixes acertando seu corpo. E sorrindo gritava me incentivando:

— Venha, Zé. Está gostosa a água... 

E lá ia eu de novo. Engolindo o cansaço para dar tapas e mais tapas na água e sentir os toques de peixes e mais peixes em fuga no pavor dos caçados. Mesmo exausto, busquei forças e, com os lábios arroxeados e os dentes batendo, continuei nadando e dando novos tabefes para espantar os peixes de volta para rede até chegar a beira da praia, onde, quase sem forças, pude buscar um outro curto descanso. Mas, atrás de mim, já vinha Pepira gritando e trazendo a corda da rede de arrasto arrumando os homens e elevando o grito:

— Vem, Zé! Não afrouxa não! Vem que a corda é dura e um "homem" só faz falta.

Os homens do arrastão se perfilavam para puxar o cordão grosso de sisal. Calejavam ainda mais as mãos ao arrancarem delas carnes mortas que ensebavam as tramas.

E eu lá, entre eles, sangrando as minhas mãos finas de menino e ouvindo Pepira cantar:

— Arabô aiô Iemanjá! Puxa a corda nego que tem peixe bom / puxa nego / puxa nego / que é benção de Iemanjá... 

Era um consoar de arrepiar os cabelos e de aliviar sofrimentos. Eram mais de trinta vozes, a cantar em coro, num gemer só: Rum / rum / rum // rum / rum / rum. — Era um som nasalado e de esplendorosa beleza.— Os corpos sincronizados oscilavam num vai e vem de meneio, suplantando as dores, puxando a tresmalho como em um cabo de guerra, até os peixes darem na areia e brilharem prateados ao se debaterem.

Enquanto alguns dos homens catavam os peixes, Pepira brincava de matar cassonetes intrusos a pauladas. O sangue que escorria deles avermelhava a espuma que lambia a areia úmida.

Os pescados eram amontoados no centro da praia e os homens formavam um circulo em torno esperando a partilha. 

Pepira se colocou no centro e ao lado do amontoado de peixes. Eu fiquei no círculo enquanto a chuva, grossa, tirava-me o sal da pele. Um dos homens que chegou depois tentou me espantar. Pepira gritou:

— Deixa o menino! É nadador! É de coragem! E você negão? Ta molhado é

de chuva! Nem suou! Mostra as mãos... Amostra!... Saia você, descarado! Mão branca!

O suor espantou-me o frio, o sangue em minhas mãos, o medo. E eu

ganhei o respeito de todos. O respeito de quem foi à vida com coragem de enfrentar seus temores... E ganhei meu quinhão de peixe. E ganhei o sorriso de Pepira, como um troféu, ao esfregar a mão rude e fétida sobre meus cabelos lisos. Mesmo sendo cedo para o dia. Mesmo, que para mim, ainda fosse cedo para uma vida de obrigações.

Alguns anos se passaram até que eu pudesse voltar à praia do "Chega Nego," em Salvador. Fui com meu filho. Saímos cedo para o dia. Queria que ele visse um cardume de xaréus crispando o mar. Mas, não havia mais xaréus. Como não havia mais vila de pescadores com suas casas de taipa. Como não havia mais canoas para romper a crista das ondas que, ao estourarem, faziam formar lindos arco-íris no ar. Como não havia mais nem mesmo as redes estacadas e esticadas para os silenciosos remendos nos buracos abertos por cassonetes intrusos."— Momentos mágicos de silêncios e preces." — Nem mesmo Pepira estava lá para cantar seus jongos e dar lições de coragem. Lições que um menino com frio e com medo aprendeu. Lições de uma coragem de alegria necessária, uma coragem de suor derramado para buscar o fruto a ser dividido por quem se molhou e sangrou as mãos...

E tudo isso acabou em nome de um progresso descompromissado com a natureza, um progresso burro, bruto, enriquecedor para uns poucos, mas de alto custo para todos os humildes que, em nome dele, foram marginalizados.

1997 – Costa

Azul  -- Salvador – Bahia.    













O TEOREMA PÓS-MEDIEVAL DE PASTERNAK

 



Texto copiado do Facebook de Fred Burgos



Depois um período sombrio de negacionismo, é natural que vejamos surgir quem se arvore a porta-voz de uma visão absolutista da ciência, interessado em classificar como pseudociência tudo aquilo que não corresponde à sua realidade axiomática. Essa é o movimento do livro “Que Bobagem! pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”, da bióloga Natália Pasternak e do jornalista Carlos Orsi, seu marido. Os dois incluem no mesmo balaio psicanálise, homeopatia, acupuntura paranormalidade, discos voadores, antroposofia e poder quântico.

Depois de todo o miserê religioso da Idade Média, surgiu a concepção cartesiana de ciência, separando matéria e mente. Há um esforço de distanciamento compreensível no século XVII. Não há o menor sentido desse empreendimento hoje, quatrocentos anos depois. Nenhuma pessoa de bom senso é capaz de negar o que a psicologia e a psicanálise em específico têm entregado à humanidade. Assim como ninguém aspira classificar como filhas exatas da mesma perspectiva epistemológica a física tradicional e a física quântica. Quem não tem bom senso, não terá com o livro de Pasternak. Só um novo fórceps!

Ela e seu marido se levam a sério demais, acreditam demais em si mesmos: “Buscamos oferecer uma vacina para o pensamento mágico, um manual para reconhecer mercadores de ilusões e identificar soluções mágicas. Esperamos assim poupar a saúde, o bem-estar e o bolso do leitor”, dizem, lá eles. Menos, queridos!

Os dois partem de um pressuposto básico infantil: a deificação da ciência. Diz o casal: “A ciência é limitada pela nossa capacidade de ver, interrogar e interpretar a natureza”. Mais bobagem! Os dois continuam separando matéria e mente. A ciência não tem vida própria. Ela existe em razão de nossa capacidade, sempre limitada, de se apropriar da realidade. Não existiria se não existíssemos com nossas deficiências. Pensar o contrário, isso sim, é mistificação. A ciência e a religião passam a ter algo em comum a partir desse tipo de pensamento dual.

Para eles, deve ser uma bobagem diagnosticar que um sintoma físico tenha possivelmente como correspondente uma dor psíquica, após um cem número de pesquisas confirmarem isso. Possivelmente devem entender como magia qualquer tentativa de explicação para reações distintas de dois irmãos gêmeos que vivenciarem o mesmo evento traumático. Há algum cálculo cartesiano que dê conta desse desafio?

Todo mundo mais ou menos informado sabe que a ciência de Pastrernak e Orsi tem limites internos – regras, axiomas, leis, teoremas etc. – e outros impostos pelos instrumentos e técnicas de mensuração. Isso sem esquecer os limites mais importantes de natureza ética, política e econômico-financeira. Para que tanta mise-en-scène cartesiana em pleno século XXI?

Bobagem pura!

* O cara da imagem é René Descartes, filósofo e matemático francês (1596-1650). Não é Pasternak. 
Texto copiado do Facebook de Fred Burgos

Por que a BBC News Brasil quer manter viva a ideia de Bolsonaro continuar atuante na política brasileira.


 
Acordo as quatro da manhã e ainda sonolento e com frio vou navegar no Twitter. Logo, dou de cara com uma matéria do senhor Luis Barrucho, da BBC News Brasil, em Londres. Este jornalista tenta fazer as vezes de advogado de defesa do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.

Na matéria do articulista, Luiz Barrucho tenta manter acesa a ideia que o cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, (TSE), por 5 votos a 2, Jair Messias Bolsonaro, deva manter suas esperanças de continuar atuando na vida política brasileira.

         Com uma matéria até bem escrita, Luiz Barrucho usa, de maneira não muito ética, diria até vil, comparações entre a realidade vivida por Bolsonaro a outras realidades históricas completamente diferentes, mas tendo apenas um ponto comum, a cassação. Alguns dos políticos cassados anteriormente como Luiz Inácio Lula da Silva, Eduardo Cunha e Fernando Collor de Mello, entre outros, também foram cassados e por brechas na nossa justiça  retornaram a vida pública, alguns com sucesso, como é o caso de Lula*.

         Por uma questão de ceticismo, sempre pergunto a mim mesmo “qual a intenção do jornalista e qual a intenção do veículo ao propor tal pensamento”, o que há “por trás” da matéria. Pergunto, porque sei que sempre há uma intenção. É a velha história do Jaboti em cima da árvore. Então tento entender a quem esta ideia beneficiaria.

         Sabemos que as comparações entre Jair Bolsonaro, que tentou armar um golpe junto a militares e a fanáticos manipulados, para continuar no poder, mantendo “nas cordas” a Justiça Eleitoral com uma série de mentiras enumeradas pelo Ministro Alexandre de Moraes etc.

Ou seja: Jair Bolsonaro não foi cassado, como fora Collor de Mello, Eduardo Cunha e até Lula*, por corrupção. Apesar de ser Jair Bolsonaro o maior corrupto da história do Brasil.

Jair Messias Bolsonaro também não foi cassado por ser um Genocida, — como a palavra ‘Genocida’ é usada etimologicamente, como é o caso das mortes dos Ianomâmis. —

Também Jair Messias Bolsonaro não foi julgado e cassado por ser um assassino de massa ao tentar impor a “Imunidade de Rebanho por Contágio”, que visava, como muitos acreditam, matar quem tivesse comorbidade ou fosse idoso com a Covid 19. Ou seja: Bolsonaro tentou matar, mais precisamente, aposentados e pensionistas do INSS, com clara campanha contra o lockdown, não uso de máscaras e o caso das vacinas, mas isso são outras histórias.

Jair Messias Bolsonaro foi cassado neste processo por tentar, derrubando a democracia, manter-se e ao partido militar no poder indefinidamente.

Não gosto de crônica longa já que acredito que os leitores não são muito chegados a leitura. Então vou tentar resumir a atuação de Bolsonaro/Guedes que a mídia corrompida defende. 

Voltando a matéria da BBC News Brasil e meu ceticismo. Creio que a matéria, como já disse, manipuladora, para leitores menos atento, defende claramente o legado de Jair Messias Bolsonaro.


1.     Entregou o pré-sal para especuladores internacionais, inclusive elevando o preço dos combustíveis absurdamente, causando uma inflação de dois dígitos e tendo como resultado a volta da fome a de miséria do povo brasileiro.

2.     Com ajuda do Congresso, comprado, inclusive, com dinheiro da educação, da saúde e de outros desvios, derrubou direitos trabalhistas históricos, destruiu o poder de negociação dos sindicatos, praticamente inviabilizou as aposentadorias dos trabalhadores.

3.     A devastação e exploração de madeira na amazônia inclusive para contrabando internacional, a liberação de garimpo ilegal em terras indígenas, a devastação para grilagem visando abrir novas áreas para plantiu agrícola e pastagens. Liberação também de venenos agrícolas proibidos em outros diversos países etc.

4.     A morte indevida de mais de 700 mil brasileiros.

5.     A distribuição de armas de fogo tanto nos centros urbanos como em áreas ruais, ampliando número de mortes no campo e nas cidades.

6.     Ter montado o maior escadalo de corrupção da história brasileira com desvio de verbas para o “Orçamento Secreto” junto ao centrão e Arthur Lira etc.

7.     Criou, via manipulação religiosa, um clima de terror entre os brasileiros separando famílias e amigos etc.

8.     Causou o maior “índice de GINI” ou seja: ampliou no Brasil o grau de concentração de renda em determinado grupo, no caso os Especuladores Financeiros e Bancos.

  

E tudo isso contou e ainda conta com a proteção dessa mídia hegemônica e cartelizada.  

     

 

*O caso de Lula é conhecido ter sido um golpe, uma armação do judiciário brasileiro. O maior esquema de corrupção da Justiça Brasileira liderada pelos EUA tendo como principais articuladores Sergio Moro e Deltan Dallagnol, (Lava Jato), com apoio da Rede Globo liderando a mídia hegemônica e cartelizada.      

    

 

 

 

A Dura Lei dos Homens - De Ariovaldo Matos


 “C’est lá dure loi des hommes

Se gander intact malgré

Los guerres et la misere

Malgré lês dangers de mort.”

P. Eluard

 

Jantara bem, o carro saíra da oficina em boas condições, nenhum mal entendido com os amigos apenas fora algo desagradável a leviandade daquele jovem na livraria. Ele insistira em condenar Rilke sem qualquer motivo sério, limitando-se a citar alguns trechos de Cartas a um Jovem Poeta. Contudo, bem analisada as coisas, aquilo era desculpável. O rapazinho mal iniciara suas atividades como crítico – obtendo, aqui e ali, alguns êxitos – mas já se acreditava um pequeno gênio de província, graças aos elogios fáceis que ia recebendo. Não discutira, claro. Ouvira-o, a princípio com desdém, depois com tolerância . O silêncio geral fora, sem dúvida, a melhor resposta. Afinal, um incidente sem importância, destituído de força suficiente para intranqüilizá-lo.

Dosou o cálice de cointreau, ajeitou-se no divã e ligou a radiola. Ouvia uma seleção de Ives Montand quando os policiais invadiram a sala e o grandalhão gritou:

-- Teje preso!

Eram sete ou oito, todos de cara amarrada , cheios de ódio e medo. O de olhos azuis parecia arrependido de tudo aquilo. Repetia:

-- Vamos com calma, vamos com calma...

Erguendo-se do sommier, perguntou assustado:

-- Que é isso?

O chefe trajava roupa clara, de tropical amarronzado. Sorria vitorioso,sob os óculos Ray-ban:

-- O senhor está preso. Nem adianta discutir. É ordem...

-- Se vista logo! – gritou o grandalhão.

Quis argumentar, gaguejando um pouco:

-- Mas, isso é ilegal. Uma arbitrariedade... Eu...

O chefe arrematou:

-- Isso de lei é bobagem. Se vista. A ordem é prender, a gente vem e prende. Só isso. Vamos, se vista. E o senhor não vai querer brigar...

Havia, agora, uma ameaça, e ele considerou inútil discutir. Resolveu obedecer, ainda um pouco trêmulo. Vizinhos chegaram-se à porta do apartamento. Todos exibiam inquietação e receio. Olharam-no em silêncio e em cada olhar era possível ler a pergunta inocente:

-- Não haverá engano?

-- Não, não havia engano algum. Absurdo que pudesse parecer, os policiais o consideravam um criminoso, terrível criminoso; homem tranqüilo na aparência, muito simpático até, mas de objetivos sinistros, capaz de inverter, perverter e subverter os fundamentos da família cristã. Os visinhos, naturalmente, faziam outro juízo. Há anos o conheciam, celibatário inveterado, amante da boa música, não raro às voltas com livros que estudava madrugada adentro. E sempre silencioso, cordato, produzindo bons conselhos e opiniões moderadas. As mocinhas do edifício acalentavam sonhos a seu respeito. Algumas, mais ousadas, visitavam-no sob os mais diferentes pretextos, e se não obtinham o desejado, prosseguiam alimentando esperanças. Marilda, a loura do terceiro andar, confessava, as colegas e amigas, que estava definitivamente apaixonada, e dona Marta, quando brigava com o marido, cansava-se de apontá-lo como exemplo...  

Mas, agora, os visitantes eram outros. E ele próprio estava surpreso, sem os compreender, com exatidão, os motivos porque o consideravam perigoso a ponto de lhe invadirem o apartamento, violentando sua tranqüilidade, espezinhando direitos, os hábitos assegurados. É verdade que não conseguia conter-se diante de certas evidências, e, no jornal, de quando em quando, assinava artigos de natureza política, artigos suficientemente cáusticos para agravar os padecimentos dispépticos do excelentíssimo senhor governador. Quase nada mais, senão pronunciamentos através de manifestos, uma e outra reuniões em entidades que a polícia fichara como altamente subversivas, as opiniões que, em conversa, expendia, sempre despreocupado de conveniências e oportunidades. Tivessem motivos ou não, o certo era que o consideravam perigoso. E o resultado ali estava: a polícia a invadir-lhe o apartamento, desfazendo, com extraordinária habilidade, as arrumações das estantes, arranhando discos, rebuscando volumes, separando alguns que eram transferidos para camioneta parada na porta do edifício.

Vestia a camisa esporte quando o policial grandalhão perguntou:

-- Tem arma?

-- Não – afirmou e continuou a vestir-se, fingindo uma calma que não tinha, apreensivo com o coração a prosseguir naquela inquietante ritmação anormal. Quando, finalmente, pôs o paletó xadrez, considerou necessário informar:

-- Podemos ir.

Queria acabar com tudo aquilo, preocupado não só com os policiais, mas, igualmente, com a bisbilhotice dos vizinhos a espiá-los em meio àquele espanto covarde.

Repetiu:

-- Estou pronto. Podemos ir.

Um dos policiais exclamou:

-- É metido a valente!

O outro aduziu:

-- Isso a gente acaba com uma “sessão”.

Um terceiro teria repetido a ameaça se o chefe, já impaciente, não ordenasse:

-- Levem ele!

Levaram-no e não foram gentis. Preferiram empurrá-lo escada abaixo, e na rua não o convidaram a ocupar lugar em uma das camionetas estacionadas. Não. Atiraram-no pela porta traseira, como se fosse uma coisa qualquer.

Não aconteceu, entretanto, o que imaginara ao descer a escada: o espancamento ao longo do caminho, o clássico espancamento no veículo. Ao contrário: um policial baixinho, aquele que recomendara calma, ofereceu-lhe um cigarro, que recusou, mentindo com dignidade escrupulosa:

-- Deixei de fumar.

Preocupava-se em saber quando começaria a “sessão”, a hora das torturas. Desde que o consideravam perigoso, teriam de supor que muito sabia e muito haveria de informar. Aquilo era aterrador. Mesmo o pouco que sabia – alguns nomes, alguns endereços – revestia-se de importância para a polícia. Se falasse, portanto, seria uma pústula, um traidor. Recordou-se, então, de Aloísio. Quando ele saíra da cadeia, massacrado, fora vê-lo e nada dissera do seu heroísmo. Apenas, para que Aloísio entendesse, para que o elogio ficasse entre os dois, repetira Eluard:

-- C’est la dure loi des hommes...

E guardara, na memória, a resposta magnífica de Aloísio, aquele belo sorriso do amigo, sorriso que o rosto desfigurado compôs sem dificuldade.

E agora? Seria também suficientemente leal para manter-se intacto? Passaria pela prova suprema com honra e dignidade, suportando tudo, sem trair? E se não suportasse? E se, sob o fogo das torturas, das unhas arrancadas, dos testículos esmagados, das picadas elétricas pelo corpo, abrisse os lábios, dissesse nomes e endereços, traísse?

Agora não importavam os exemplos. Havia, de fato o desejo de não trair, mas não se tratava apenas de desejar. Era preciso mais. Era indispensável vencer um inimigo que antes nunca enfrentara, um inimigo que se continha em tudo – nos gestos, nas palavras, nos cassetetes, na sirene na camioneta, na noite, em toda parte: o medo. O medo de ser forçado a trair. Forçado pela dor. Era preciso ser forte. Como Aloísio fora.

O policial baixinho interrompeu-lhe os pensamentos:

-- Estamos pertos. Acho melhor o senhor fumar...

Consegui sorri:

-- Parece uma homenagem ao condenado. A última homenagem...

O policial respondeu:

-- Talvez seja. Não por mim. Mas eles vão espancar o senhor. Vão querer que o senhor fale, denuncie os outros. Eu sei. Eu conheço. Talvez o senhor não agüente...

Sim, talvez morresse. Para o policial aquilo era o fim, mas para ele – numa fração de segundos o percebeu – a morte temida transformou-se numa esperança. Sim havia o aneurisma! Se não fosse suficientemente forte para tudo suportar, se falhasse a honra e a dignidade, o aneurisma responderia ao último apelo, fazendo explodir o coração. Assim a morte viria, a doce morte dos que não podem mais viver com honra. Era uma esperança porque, ao examiná-lo, o médico fora quase peremptório: um aneurisma.

-- Tudo indica – dissera o médico.

A camioneta corria com as sirenes abertas. Tinham pressa. Talvez também tivessem medo. Isso, porém, não lhe dizia respeito, não era o decisivo. Mais rápido ou mais lento, pouco importava. Que aumentassem a velocidade, que gritassem mais alto, com suas sirenes, não lhe competia opinar. Importante era ponderar sobre se o médico diagnosticara bem. E não fizera os exames pedidos; apenas marcara data com o técnico em eletrocardiograma, não o procurando depois. Evocou, então, uma a uma, as palavras do médico:

-- 90% de probabilidade para um aneurisma. Mas somente os exames poderão...

Por que não fizera os exames?

O velho hábito de adiar as coisas, a velha mania de esquecer providências importantes para perder horas e horas na Livraria, conversando, lendo trechos de livros. E como se isso não fosse o suficiente, as longas caminhadas pelas avenidas marítimas ou pelas ladeiras seculares, aqueles monólogos tolos, os exercícios de memória que, agora, nenhuma importância poderiam ter. Ora, não seria libertado se repetisse, para os policiais, os versos de “Pouvoir Tout Dire” ou o desafio contido no título de Lord Sparkenbroke, ainda que o dissesse no inglês mais correto. O importante... Não, não, o médico não teria cometido erro. Todos os sintomas estavam à vista; ansiava quando subia escadas, dormia sem tranqüilidade, era infenso a um maior esforço físico. Acalmou-se então, e calmo estava, quase tranqüilo, quando o baixote ordenou que descesse da camioneta. Obedeceu, rapidamente. Na rua, empurraram-no em direção ao prédio sinistro. Quase tropeçou no primeiro degrau da escada, mas o baixote, sempre solícito com aquele olhos azuis tão nervosos, o ajudou a não cair. Por que aquilo? Por que, enquanto todos batiam e empurravam, o baixote se fazia gentil? Saberia ele da doença do coração?

Olhou-o com alguma gratidão e o policial compreendeu o gesto. Mas não sorriu, nada demonstrou. Disse apenas no final da escada:

-- Entre naquela sala, descanse...

Entrou. Dois policiais ficaram sentados, defronte, de sobreaviso. Às vezes, carregando nos gestos como se fossem atores sem naturalidade, olhavam-no com ódio e xingavam. Assim ficaram umas duas horas e ele evitava encará-los. Tudo era muito estranho, e muito cansativo também. Os policiais pouco falavam, os olhares eram sempre , os xingamentos sempre os mesmos. Por fim o baixote reapareceu, falando:

-- Comprei alguns cigarros.

-- Eu deixei...

-- Mentira!

Admitiu:

-- De fato...

O policial entregou-lhe os cigarros e uma caixa de fósforo. Partiu, expressando desejo provavelmente sincero.

-- Boa sorte.

Preocupou-se com aquele homem diferente dos demais. Talvez sofresse intimamente, vendo tudo, com tudo compactuando, mas fugindo às maiores responsabilidades. Ou o inverso: talvez fosse um cínico, um cínico de estomago delicado. Sorriu sem perceber e um dos policiais, na porta, exclamou:

-- O descarado ainda ri!

Ajeitou-se na cadeira, cerrando os lábios. Era preciso não sorrir, limitando-se a imobilidade, esperando. Fumou e pensou em coisas esquisitas. Uma multidão de coisas: Aloísio no Hospital, Julius Fuchik recriminando os pais porque o tinham feito forte como um cavalo... Sem saber porque, recordou-se daquele 14 de julho em Paris, a moça corcunda, o estudante chinês que a recusara para dançar no baile da Rua Souflot, o dialogo com o motorista belga, a canção de Constantine – L’oiseau Bleu. E sempre o médico, o médico que repetira:

-- Um aneurisma.

Antes, ainda no apartamento, havia inquietações. Agora, naquela sala, a certeza da morte era uma esperança. Além de tudo, a demora. Lá fora era noite. Mesmo ali havia silêncio. Talvez tivesse recuado. Afinal, não era desconhecido como Aloísio. Pareceu-lhe que, de repente, aqueles homens, aquela atmosfera opressiva, se dissolveriam, e de novo se encontraria no living do apartamento, ouvindo algo menos descritivo que Ives Montand cantando “La Rue Lepic”. Imaginação. A realidade era o silêncio, a sala mal iluminada, a presença dos policiais, o aneurisma, as mãos frias, o suor pelo corpo inteiro, duas formiguinhas que, agitadas pareciam procurar o impossível, nas frestas do chão de tacos.

Com a madrugada vieram buscá-lo. Três cavalões, em manga de camisa, revólveres à mostra. O moreno mastigava chicletes. Conduziram-no para uma sala pouco mais ampla, forçando-o a que se sentasse numa cadeira colocada no centro do recinto, sem outros móveis além do birro aonde um policial macilento preparava-se para manejar a máquina de escrever. Alguém perguntou:

-- Dormiu bem?

Todos sorriram. Nada respondeu. Continuou olhando o chão, agora de cimento, sem formiguinhas nervosas:

Da porta veio uma voz autoritária:

-- Nome todo, residência, data de nascimento, nome dos pais, estado civil, profissão. Rápido.

Respondeu.

O homem da porta chegou-se mais perto. Perguntou:

-- Casado ou solteiro?

-- Solteiro.

-- Vejamos... Reconhece ser o autor do artigo que agora lhe é exibido e que tem o título “Os crimes e o culpado”?

-- Reconheço.

O coração ia reagindo com mais rapidez. Começou a sentir gosto de sangue na boca, mas verificou ao passar o lenço, que era impressão. Fez esforço para controlar-se. Não podia tremer. Era proibido tremer, dar o menor sinal de fraqueza. Impossível, contudo, dominar o coração...

-- Reconhece que nesse artigo subversivo incrimina o governador do Estado como responsável por supostos espancamentos sofridos pelo indivíduo Ivan Serpa, também conhecido como Aloísio Cunha Serpa?

-- Sim

Percebia que os acontecimentos se encaminhavam para o fim, o instante em que o coração atenderia ao apelo decisivo, explodindo para salvá-lo do opróbrio. Assim iria acontecer, fatalmente, e então os algozes, preparados para massacrá-lo, ansioso por fazê-lo, não teriam o gosto da vingança, não poderiam dar vazão, aos seus baixos instintos – seviciariam um cadáver, um mártir, um herói também, uma bandeira que contribuiria para exterminá-los, a eles e a tudo que representavam. Previsão exata porque ao perguntarem se estava disposto  a assinar a retratação pública, gritou um “não” altissonante, sinal para o avanço dos espectadores e o inicio do espancamento. A princípio, pontapés de todos os lados. Socos que pareciam produzidos pelo ar, cusparadas e gritos. Quando o abandonaram, em um canto, sangrava na cabeça e na boca. Dor terrível nas costas. Ergueu-se, gemendo, e ouviu a mesma pergunta:

-- Retrata-se?

-- Monstros!

Violenta bofetada foi desferida. De novo caiu. Um pontapé atingiu-lhe e pescoço, mas permitiram que se agarrando nas saliências da parede fria, novamente ficasse de pé. O chefe ordenou:

-- Sente-se.

Arrastou-se até a cadeira, cuspindo sangue, língua, e dentes partidos. Houve silêncio de alguns segundos. Alguém sugeriu:

-- Deixem que ele pense um pouco. Talvez o imbecil compreenda que não adianta bancar o herói. Afinal, não queremos muito. Apenas que desminta uma infâmia... Como é, pensou?

-- Vou morrer e vocês pagarão. – ameaçou com a voz enrolada.

-- Morrer de que, bobo? Isso é só o começo...

-- Ele parece um menininho, esse descarado cínico.

-- Assina ou não assina o troço?

-- Não!

Agora sim uma saraivada de socos, pontapés, bofetadas por todos os lados, os policiais o transformaram numa peteca, atirando-o no chão para chutá-lo. As dores corriam o corpo inteiro, o sangue saía, da boca, aos borbotões, mas não era o coração que respondia. Em certos momentos sentiu, no peito, uma dor imensa, mas logo era transferida para os rins – eram os pontapés habilmente desferidos. Depois, pouco depois, perdeu a consciência, e mais tarde, quando voltou a si era noite. Havia em torno, vozes e vultos que não distinguia. Talvez fosse a morte – imaginou – e voltou a adormecer. Horas depois, novo despertar, mas agora, sabia que retornara à vida, e quando identificou os amigos, os companheiros, o deputado Macedo, velho amigo de seu pai, Aloísio que tinha fisionomia carregada, perguntou:

-- O aneurisma?

Ninguém compreendeu. Aloísio aproximou-se mais e disse baixinho algo que ele não entendeu. O amigo de novo falou, talvez com lágrimas nos olhos:

-- A dura lei dos homens...

-- Ele tentou sorrir, compreendendo. Inquiriu:

-- Habeas-corpus?

-- Nada. Abandonaram você numa viela e dizem que quando o deixaram livre, você estava inteiro. São inocentes... Nós é que teríamos promovido o espancamento, porque você teria traído. Uns crápulas! Difícil imaginar...

-- Sei...

-- O médico aproximou-se. Quis saber:

-- Meu coração, doutor.

-- Ah! No coração, nada. Seu coração é ótimo. Resistir a tanto...

-- Coração de cavalo.

O médico sorriu com a frase de Aloísio e esclareceu:

-- Fizemos radiografias no corpo inteiro, buscando todas as fraturas...

-- Nenhum aneurisma, doutor?

-- Em você?

-- Sim – disse quase sem fôlego.

-- Não. Descanse. Nada de aneurisma. Se você tivesse um já estaria morto.

Ficou feliz, gemeu novamente, ao mover-se, e disse a Aloísio:

-- Intacto, irmão, intacto.

-- Como intacto? Você está todo quebrado, velho...

-- Não, não falo do corpo, Falo da consciência, da honra...

O deputado Macedo olhou-o penalizado, sem compreender que aquele ritus, na face, era um sorriso.

 

Maio de 57.         

   

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