A Dura Lei dos Homens - De Ariovaldo Matos


 “C’est lá dure loi des hommes

Se gander intact malgré

Los guerres et la misere

Malgré lês dangers de mort.”

P. Eluard

 

Jantara bem, o carro saíra da oficina em boas condições, nenhum mal entendido com os amigos apenas fora algo desagradável a leviandade daquele jovem na livraria. Ele insistira em condenar Rilke sem qualquer motivo sério, limitando-se a citar alguns trechos de Cartas a um Jovem Poeta. Contudo, bem analisada as coisas, aquilo era desculpável. O rapazinho mal iniciara suas atividades como crítico – obtendo, aqui e ali, alguns êxitos – mas já se acreditava um pequeno gênio de província, graças aos elogios fáceis que ia recebendo. Não discutira, claro. Ouvira-o, a princípio com desdém, depois com tolerância . O silêncio geral fora, sem dúvida, a melhor resposta. Afinal, um incidente sem importância, destituído de força suficiente para intranqüilizá-lo.

Dosou o cálice de cointreau, ajeitou-se no divã e ligou a radiola. Ouvia uma seleção de Ives Montand quando os policiais invadiram a sala e o grandalhão gritou:

-- Teje preso!

Eram sete ou oito, todos de cara amarrada , cheios de ódio e medo. O de olhos azuis parecia arrependido de tudo aquilo. Repetia:

-- Vamos com calma, vamos com calma...

Erguendo-se do sommier, perguntou assustado:

-- Que é isso?

O chefe trajava roupa clara, de tropical amarronzado. Sorria vitorioso,sob os óculos Ray-ban:

-- O senhor está preso. Nem adianta discutir. É ordem...

-- Se vista logo! – gritou o grandalhão.

Quis argumentar, gaguejando um pouco:

-- Mas, isso é ilegal. Uma arbitrariedade... Eu...

O chefe arrematou:

-- Isso de lei é bobagem. Se vista. A ordem é prender, a gente vem e prende. Só isso. Vamos, se vista. E o senhor não vai querer brigar...

Havia, agora, uma ameaça, e ele considerou inútil discutir. Resolveu obedecer, ainda um pouco trêmulo. Vizinhos chegaram-se à porta do apartamento. Todos exibiam inquietação e receio. Olharam-no em silêncio e em cada olhar era possível ler a pergunta inocente:

-- Não haverá engano?

-- Não, não havia engano algum. Absurdo que pudesse parecer, os policiais o consideravam um criminoso, terrível criminoso; homem tranqüilo na aparência, muito simpático até, mas de objetivos sinistros, capaz de inverter, perverter e subverter os fundamentos da família cristã. Os visinhos, naturalmente, faziam outro juízo. Há anos o conheciam, celibatário inveterado, amante da boa música, não raro às voltas com livros que estudava madrugada adentro. E sempre silencioso, cordato, produzindo bons conselhos e opiniões moderadas. As mocinhas do edifício acalentavam sonhos a seu respeito. Algumas, mais ousadas, visitavam-no sob os mais diferentes pretextos, e se não obtinham o desejado, prosseguiam alimentando esperanças. Marilda, a loura do terceiro andar, confessava, as colegas e amigas, que estava definitivamente apaixonada, e dona Marta, quando brigava com o marido, cansava-se de apontá-lo como exemplo...  

Mas, agora, os visitantes eram outros. E ele próprio estava surpreso, sem os compreender, com exatidão, os motivos porque o consideravam perigoso a ponto de lhe invadirem o apartamento, violentando sua tranqüilidade, espezinhando direitos, os hábitos assegurados. É verdade que não conseguia conter-se diante de certas evidências, e, no jornal, de quando em quando, assinava artigos de natureza política, artigos suficientemente cáusticos para agravar os padecimentos dispépticos do excelentíssimo senhor governador. Quase nada mais, senão pronunciamentos através de manifestos, uma e outra reuniões em entidades que a polícia fichara como altamente subversivas, as opiniões que, em conversa, expendia, sempre despreocupado de conveniências e oportunidades. Tivessem motivos ou não, o certo era que o consideravam perigoso. E o resultado ali estava: a polícia a invadir-lhe o apartamento, desfazendo, com extraordinária habilidade, as arrumações das estantes, arranhando discos, rebuscando volumes, separando alguns que eram transferidos para camioneta parada na porta do edifício.

Vestia a camisa esporte quando o policial grandalhão perguntou:

-- Tem arma?

-- Não – afirmou e continuou a vestir-se, fingindo uma calma que não tinha, apreensivo com o coração a prosseguir naquela inquietante ritmação anormal. Quando, finalmente, pôs o paletó xadrez, considerou necessário informar:

-- Podemos ir.

Queria acabar com tudo aquilo, preocupado não só com os policiais, mas, igualmente, com a bisbilhotice dos vizinhos a espiá-los em meio àquele espanto covarde.

Repetiu:

-- Estou pronto. Podemos ir.

Um dos policiais exclamou:

-- É metido a valente!

O outro aduziu:

-- Isso a gente acaba com uma “sessão”.

Um terceiro teria repetido a ameaça se o chefe, já impaciente, não ordenasse:

-- Levem ele!

Levaram-no e não foram gentis. Preferiram empurrá-lo escada abaixo, e na rua não o convidaram a ocupar lugar em uma das camionetas estacionadas. Não. Atiraram-no pela porta traseira, como se fosse uma coisa qualquer.

Não aconteceu, entretanto, o que imaginara ao descer a escada: o espancamento ao longo do caminho, o clássico espancamento no veículo. Ao contrário: um policial baixinho, aquele que recomendara calma, ofereceu-lhe um cigarro, que recusou, mentindo com dignidade escrupulosa:

-- Deixei de fumar.

Preocupava-se em saber quando começaria a “sessão”, a hora das torturas. Desde que o consideravam perigoso, teriam de supor que muito sabia e muito haveria de informar. Aquilo era aterrador. Mesmo o pouco que sabia – alguns nomes, alguns endereços – revestia-se de importância para a polícia. Se falasse, portanto, seria uma pústula, um traidor. Recordou-se, então, de Aloísio. Quando ele saíra da cadeia, massacrado, fora vê-lo e nada dissera do seu heroísmo. Apenas, para que Aloísio entendesse, para que o elogio ficasse entre os dois, repetira Eluard:

-- C’est la dure loi des hommes...

E guardara, na memória, a resposta magnífica de Aloísio, aquele belo sorriso do amigo, sorriso que o rosto desfigurado compôs sem dificuldade.

E agora? Seria também suficientemente leal para manter-se intacto? Passaria pela prova suprema com honra e dignidade, suportando tudo, sem trair? E se não suportasse? E se, sob o fogo das torturas, das unhas arrancadas, dos testículos esmagados, das picadas elétricas pelo corpo, abrisse os lábios, dissesse nomes e endereços, traísse?

Agora não importavam os exemplos. Havia, de fato o desejo de não trair, mas não se tratava apenas de desejar. Era preciso mais. Era indispensável vencer um inimigo que antes nunca enfrentara, um inimigo que se continha em tudo – nos gestos, nas palavras, nos cassetetes, na sirene na camioneta, na noite, em toda parte: o medo. O medo de ser forçado a trair. Forçado pela dor. Era preciso ser forte. Como Aloísio fora.

O policial baixinho interrompeu-lhe os pensamentos:

-- Estamos pertos. Acho melhor o senhor fumar...

Consegui sorri:

-- Parece uma homenagem ao condenado. A última homenagem...

O policial respondeu:

-- Talvez seja. Não por mim. Mas eles vão espancar o senhor. Vão querer que o senhor fale, denuncie os outros. Eu sei. Eu conheço. Talvez o senhor não agüente...

Sim, talvez morresse. Para o policial aquilo era o fim, mas para ele – numa fração de segundos o percebeu – a morte temida transformou-se numa esperança. Sim havia o aneurisma! Se não fosse suficientemente forte para tudo suportar, se falhasse a honra e a dignidade, o aneurisma responderia ao último apelo, fazendo explodir o coração. Assim a morte viria, a doce morte dos que não podem mais viver com honra. Era uma esperança porque, ao examiná-lo, o médico fora quase peremptório: um aneurisma.

-- Tudo indica – dissera o médico.

A camioneta corria com as sirenes abertas. Tinham pressa. Talvez também tivessem medo. Isso, porém, não lhe dizia respeito, não era o decisivo. Mais rápido ou mais lento, pouco importava. Que aumentassem a velocidade, que gritassem mais alto, com suas sirenes, não lhe competia opinar. Importante era ponderar sobre se o médico diagnosticara bem. E não fizera os exames pedidos; apenas marcara data com o técnico em eletrocardiograma, não o procurando depois. Evocou, então, uma a uma, as palavras do médico:

-- 90% de probabilidade para um aneurisma. Mas somente os exames poderão...

Por que não fizera os exames?

O velho hábito de adiar as coisas, a velha mania de esquecer providências importantes para perder horas e horas na Livraria, conversando, lendo trechos de livros. E como se isso não fosse o suficiente, as longas caminhadas pelas avenidas marítimas ou pelas ladeiras seculares, aqueles monólogos tolos, os exercícios de memória que, agora, nenhuma importância poderiam ter. Ora, não seria libertado se repetisse, para os policiais, os versos de “Pouvoir Tout Dire” ou o desafio contido no título de Lord Sparkenbroke, ainda que o dissesse no inglês mais correto. O importante... Não, não, o médico não teria cometido erro. Todos os sintomas estavam à vista; ansiava quando subia escadas, dormia sem tranqüilidade, era infenso a um maior esforço físico. Acalmou-se então, e calmo estava, quase tranqüilo, quando o baixote ordenou que descesse da camioneta. Obedeceu, rapidamente. Na rua, empurraram-no em direção ao prédio sinistro. Quase tropeçou no primeiro degrau da escada, mas o baixote, sempre solícito com aquele olhos azuis tão nervosos, o ajudou a não cair. Por que aquilo? Por que, enquanto todos batiam e empurravam, o baixote se fazia gentil? Saberia ele da doença do coração?

Olhou-o com alguma gratidão e o policial compreendeu o gesto. Mas não sorriu, nada demonstrou. Disse apenas no final da escada:

-- Entre naquela sala, descanse...

Entrou. Dois policiais ficaram sentados, defronte, de sobreaviso. Às vezes, carregando nos gestos como se fossem atores sem naturalidade, olhavam-no com ódio e xingavam. Assim ficaram umas duas horas e ele evitava encará-los. Tudo era muito estranho, e muito cansativo também. Os policiais pouco falavam, os olhares eram sempre , os xingamentos sempre os mesmos. Por fim o baixote reapareceu, falando:

-- Comprei alguns cigarros.

-- Eu deixei...

-- Mentira!

Admitiu:

-- De fato...

O policial entregou-lhe os cigarros e uma caixa de fósforo. Partiu, expressando desejo provavelmente sincero.

-- Boa sorte.

Preocupou-se com aquele homem diferente dos demais. Talvez sofresse intimamente, vendo tudo, com tudo compactuando, mas fugindo às maiores responsabilidades. Ou o inverso: talvez fosse um cínico, um cínico de estomago delicado. Sorriu sem perceber e um dos policiais, na porta, exclamou:

-- O descarado ainda ri!

Ajeitou-se na cadeira, cerrando os lábios. Era preciso não sorrir, limitando-se a imobilidade, esperando. Fumou e pensou em coisas esquisitas. Uma multidão de coisas: Aloísio no Hospital, Julius Fuchik recriminando os pais porque o tinham feito forte como um cavalo... Sem saber porque, recordou-se daquele 14 de julho em Paris, a moça corcunda, o estudante chinês que a recusara para dançar no baile da Rua Souflot, o dialogo com o motorista belga, a canção de Constantine – L’oiseau Bleu. E sempre o médico, o médico que repetira:

-- Um aneurisma.

Antes, ainda no apartamento, havia inquietações. Agora, naquela sala, a certeza da morte era uma esperança. Além de tudo, a demora. Lá fora era noite. Mesmo ali havia silêncio. Talvez tivesse recuado. Afinal, não era desconhecido como Aloísio. Pareceu-lhe que, de repente, aqueles homens, aquela atmosfera opressiva, se dissolveriam, e de novo se encontraria no living do apartamento, ouvindo algo menos descritivo que Ives Montand cantando “La Rue Lepic”. Imaginação. A realidade era o silêncio, a sala mal iluminada, a presença dos policiais, o aneurisma, as mãos frias, o suor pelo corpo inteiro, duas formiguinhas que, agitadas pareciam procurar o impossível, nas frestas do chão de tacos.

Com a madrugada vieram buscá-lo. Três cavalões, em manga de camisa, revólveres à mostra. O moreno mastigava chicletes. Conduziram-no para uma sala pouco mais ampla, forçando-o a que se sentasse numa cadeira colocada no centro do recinto, sem outros móveis além do birro aonde um policial macilento preparava-se para manejar a máquina de escrever. Alguém perguntou:

-- Dormiu bem?

Todos sorriram. Nada respondeu. Continuou olhando o chão, agora de cimento, sem formiguinhas nervosas:

Da porta veio uma voz autoritária:

-- Nome todo, residência, data de nascimento, nome dos pais, estado civil, profissão. Rápido.

Respondeu.

O homem da porta chegou-se mais perto. Perguntou:

-- Casado ou solteiro?

-- Solteiro.

-- Vejamos... Reconhece ser o autor do artigo que agora lhe é exibido e que tem o título “Os crimes e o culpado”?

-- Reconheço.

O coração ia reagindo com mais rapidez. Começou a sentir gosto de sangue na boca, mas verificou ao passar o lenço, que era impressão. Fez esforço para controlar-se. Não podia tremer. Era proibido tremer, dar o menor sinal de fraqueza. Impossível, contudo, dominar o coração...

-- Reconhece que nesse artigo subversivo incrimina o governador do Estado como responsável por supostos espancamentos sofridos pelo indivíduo Ivan Serpa, também conhecido como Aloísio Cunha Serpa?

-- Sim

Percebia que os acontecimentos se encaminhavam para o fim, o instante em que o coração atenderia ao apelo decisivo, explodindo para salvá-lo do opróbrio. Assim iria acontecer, fatalmente, e então os algozes, preparados para massacrá-lo, ansioso por fazê-lo, não teriam o gosto da vingança, não poderiam dar vazão, aos seus baixos instintos – seviciariam um cadáver, um mártir, um herói também, uma bandeira que contribuiria para exterminá-los, a eles e a tudo que representavam. Previsão exata porque ao perguntarem se estava disposto  a assinar a retratação pública, gritou um “não” altissonante, sinal para o avanço dos espectadores e o inicio do espancamento. A princípio, pontapés de todos os lados. Socos que pareciam produzidos pelo ar, cusparadas e gritos. Quando o abandonaram, em um canto, sangrava na cabeça e na boca. Dor terrível nas costas. Ergueu-se, gemendo, e ouviu a mesma pergunta:

-- Retrata-se?

-- Monstros!

Violenta bofetada foi desferida. De novo caiu. Um pontapé atingiu-lhe e pescoço, mas permitiram que se agarrando nas saliências da parede fria, novamente ficasse de pé. O chefe ordenou:

-- Sente-se.

Arrastou-se até a cadeira, cuspindo sangue, língua, e dentes partidos. Houve silêncio de alguns segundos. Alguém sugeriu:

-- Deixem que ele pense um pouco. Talvez o imbecil compreenda que não adianta bancar o herói. Afinal, não queremos muito. Apenas que desminta uma infâmia... Como é, pensou?

-- Vou morrer e vocês pagarão. – ameaçou com a voz enrolada.

-- Morrer de que, bobo? Isso é só o começo...

-- Ele parece um menininho, esse descarado cínico.

-- Assina ou não assina o troço?

-- Não!

Agora sim uma saraivada de socos, pontapés, bofetadas por todos os lados, os policiais o transformaram numa peteca, atirando-o no chão para chutá-lo. As dores corriam o corpo inteiro, o sangue saía, da boca, aos borbotões, mas não era o coração que respondia. Em certos momentos sentiu, no peito, uma dor imensa, mas logo era transferida para os rins – eram os pontapés habilmente desferidos. Depois, pouco depois, perdeu a consciência, e mais tarde, quando voltou a si era noite. Havia em torno, vozes e vultos que não distinguia. Talvez fosse a morte – imaginou – e voltou a adormecer. Horas depois, novo despertar, mas agora, sabia que retornara à vida, e quando identificou os amigos, os companheiros, o deputado Macedo, velho amigo de seu pai, Aloísio que tinha fisionomia carregada, perguntou:

-- O aneurisma?

Ninguém compreendeu. Aloísio aproximou-se mais e disse baixinho algo que ele não entendeu. O amigo de novo falou, talvez com lágrimas nos olhos:

-- A dura lei dos homens...

-- Ele tentou sorrir, compreendendo. Inquiriu:

-- Habeas-corpus?

-- Nada. Abandonaram você numa viela e dizem que quando o deixaram livre, você estava inteiro. São inocentes... Nós é que teríamos promovido o espancamento, porque você teria traído. Uns crápulas! Difícil imaginar...

-- Sei...

-- O médico aproximou-se. Quis saber:

-- Meu coração, doutor.

-- Ah! No coração, nada. Seu coração é ótimo. Resistir a tanto...

-- Coração de cavalo.

O médico sorriu com a frase de Aloísio e esclareceu:

-- Fizemos radiografias no corpo inteiro, buscando todas as fraturas...

-- Nenhum aneurisma, doutor?

-- Em você?

-- Sim – disse quase sem fôlego.

-- Não. Descanse. Nada de aneurisma. Se você tivesse um já estaria morto.

Ficou feliz, gemeu novamente, ao mover-se, e disse a Aloísio:

-- Intacto, irmão, intacto.

-- Como intacto? Você está todo quebrado, velho...

-- Não, não falo do corpo, Falo da consciência, da honra...

O deputado Macedo olhou-o penalizado, sem compreender que aquele ritus, na face, era um sorriso.

 

Maio de 57.         

   

Mestre Ari. - Guido Guerra.


 

Custa-me escrever sobre Ariovaldo Matos, emocionalmente envolvido com ele desde meus começos. Eu o conheci, há muitos anos , numa redação de jornal , em que, misturando modéstia com porretismo, era o redator principal e mais que isto até: a coragem em letra de forma.

Afeito a muitos apressei-me a elegê-lo entre os meus mais queridos. Lembro-o, às vezes, vário e único. Outras vezes não poucas, quase cavalheiro solitário do grito não permitido e portavoz das verdades não consentidas.

Foi, contudo,  na cadeia, onde mais o admirei. Não pela coragem chegar à temeridade, mas pelo silêncio que se impôs: o sofrimento mudo, de que era, como continua sendo, amigo íntimo, perfeito, no que, como quê ampliado, cresceu a meus olhos e legou, ao menino rebelde que eu era, o exemplo.

Diante da máquina, emocionado, escrevo sobre ele, no desesperado esforço pela contensão. Revejo-o de tantas maneiras e em muitos lugares. Ora na euforia mais estabanada, ora no seu quase silêncio de homem monossilábico.

Dele, aqui ou em qualquer parte muito sei. Desde a revolta dura à gargalhada solta. Da ternura do abraço mais solidário ao soco das palavras mais ásperas. Da indignação ante o empastelado à irreprimível lágrima diante do amigo morto.

Ele sempre me lembra seu próprio personagem: preso, a cara arrebentada , mais que capaz de sorrir, e, também, de dizer:

— Inteiro, irmão, intato.

O deputado aproxima-se .

— Inteiro como? — pergunta — Você está todo quebrado.

Ele sorri:

— Não falo do corpo. Falo da consciência e da honra.

O Deputado olha-o detidamente. Ele completa.

— Este ritus, na face, é um sorriso.

Guido Guerra. 

Desenho da ilustração: Ricardo Matos 

 

 

        

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 Apresentamos do Livro Colagem (desvairada) em Manhã de Carnaval, do Escritor Ariovaldo Matos. 

O Livro foi premiado- Prêmio D. Martins de Oliveira, contos. relativo a 1978. Fundação Cultural do Estado da Bahia - Governo do Estado da Bahia -Secretaria de Educação e Cultura. - capa de Paulo Diniz.

Sobre Ariovaldo Matos. 

Podemos dizer que Ariovaldo Matos é filho da linha de Graciliano Ramos: a linha seca, sem adjetivos, que pega a realidade nua e a transfere mais nua ainda... Ariovaldo matos está no caminho certo e corresponde a a aquilo que Ferreira de Castro considerou essencial nos escritores do mundo inteiro: participação social e culto do estilo. (GLÁUBER ROCHA).  

Em seu processo narrativo, que a linguagem enxuta valoriza, a percepção se faz em torno do mundo exterior -- o cenário plástico da Bahia - e desse universo íntimo que o psicólogo interioriza na apreensão mesma de dados humanos. Seria inaceitável que um escritor assim, embora preocupado com a paisagem, se convertesse em um espontâneo criador de figuras. Seus personagens, em consequência, são de tal modo caracterizados que os aceitamos como semelhantes do mundo e na vida. (ADONIAS FILHO). 

Aí está um excelente contador de estórias, hábil na tessitura e seguro no manejo das palavras, a imaginação rica mas bem controlada para que tudo não se perca no jogo da invenção vadia... em todas as páginas de AM há um toque humano peculiar: nada do que ele narra é frio ou seco; vai sempre direto no sentimento do homem, revelando uma sensibilidade vibrátil (VALDEMAR CAVALCANTI). 



             “Colagem (Desvairada) em Manhã de Carnaval” é uma seleção de contos em PDF ou E-book Reader, do Escritor Ariovaldo Matos - 

            Para adquirir o e-book basta enviar e-mail para jrmtos2000@gmail.com ou me contatar no mensagem do próprio Instagran ou do mensagens do Twitter.


 A Coelhinha,

Vou pedir licença para descriminar (inocentar) os preconceituosos*. Coisa comum e humana é ter preconceito, quase todos têm algum preconceito, alguns não comem sarapatel ou miolo de boi de jeito nenhum. Conheço pessoas que odeiam fazer supermercado com as esposas ou namoradas. Tem gente que tem preconceito contra gordos, outro com pessoas que não sabem combinar a cor das roupas com as meias e as gravatas. Porém, o preconceito é mais pesado quando envolve sexo.
Eu sou preconceituoso, assumo, e não me sinto diminuído por isso. Existe preconceito sobre quase tudo. Sexualmente, por exemplo, os homens usam preconceito ao definir as mulheres bonitas e atraentes como gostosas. E, quem tem alguma arte na prática da sedução, sabe que não é bem assim.
Como diz uma amiga, “os homens confundem muito as coisas”. É. Eu concordo com ela, sei que “a meia luz toda gata é parda”, no sexo, a competência vale mais que a beleza. Nunca fui um “garanhão”, porém entre um e outro relacionamento, dei meus pulinhos e lembro-me de algumas belíssimas que, literalmente, foram decepcionantes.
Outras foram divertidas e até competentes. Algumas tinham singularidades que atrapalhavam um pouco a concentração na hora “h”, dentre essas, a mulher tipo ambulância. Sabe? Aquelas que auuuullllll, auuuuulllll e assim cantam como uma sirene até o final da brincadeira. É meio chato, mas dá para se levar numa boa.
Lembro-me de outras também com suas manias. A exemplo das desbocadas escandalosas que chegam a assustar o parceiro. No ensejo, elas abrem o verbo ou melhor, os adjetivos e aos gritos começam: vai fdp! Lasca seu...! E por aí iam ou vão num tom de voz que mesmo quem mora no décimo andar, quando passa pela portaria ouve um chiste. Essas são a alegria dos vizinhos fofoqueiros...
Tem as religiosas que preenchem a cama com todos os santos — ai meu Santo Antonio! Vige Maria! Meu DEUS! Agora... Jesus, Maria, José. Vai, meu anjo! Papai do céu, me ajuda... Tive até uma mulher caranguejo que andava para trás, na cama, o tempo todo, forçando-me a segui-la para nos mantermos atrelados. Há, até, as contorcionistas que leram o Kamasutra e acreditaram naquela baboseira de posições circenses. Tem que variar, eu sei, mas não vamos abusar...
De todas as mulheres exóticas que namorei, uma em especial me levou a uma inusitada situação. Na época, assim que entrei na faculdade, dei de cara em uma garota de minha turma que era absolutamente linda. Algo como uma versão melhorada de minha mulher ideal. Ela beirava os vinte anos, meiga e sempre passava a impressão que acabara de sair do banho. Era clara, cabelos negros, olhos verdes, nem alta nem baixa, seios médios e duros, possuía até sardas. Adoro sardas. E usava o mínimo de maquiagem. Unhas sempre bem cortadas, medias, e com esmalte transparente. Completamente diferente das outras colegas que estudavam Artes Plásticas e andavam de chinelo de couro cru, (comprado no mercado modelo), camisetas com mangas cortadas, pintadas com “Tintol”, saias de elástico tipo cigano também tinturadas com desenhos de mandalas e criavam, como um bichinho de estimação, um chumaço de cabelo nas axilas. Logo de cara me interessei pela moça, mas fiquei receoso de me aproximar, eu era calouro e notei que até os veteranos, tidos como “comedores”, mantinham dela uma certa distância. Imaginei mau hálito, namorado forte e ciumento ou fosse ela do tipo que faz muito doce, lésbica, talvez? Ao encontrá-la sozinha no ponto, parei minha Brasília Amarela e ofereci carona. Para meu espanto ela aceitou, morava na Pituba, bairro onde eu também morava, e não vi nada que a desabonasse como escolhida. Ficamos amigos e terminamos por namorar. Os veteranos gracejavam: — E aí, coelhinha, namorando um calouro... Nos intervalos alguns até me incentivavam a levá-la logo ao motel. Isso foi até a chegada do dia D.
Numa greve de professores, resolvi convidá-la e fomos ao motel que ela escolhera. Tudo era só alegria. Beijos, abraços, outras preliminares e os demais no bem bom etc. Quando chegamos nos finalmente, ela preferiu ir por cima, disse:
— “Fica na sua e deixa comigo”.
Obediente, relaxei. E ela começou indo devagar no vai e vem até que acelerou e... num êxtase... POF! Apagou! Mas apagou mesmo. Caiu ao meu lado semimorta. Pensei,
— Matei a moça.
Desesperado, com o coração a180 rpm, apanhei o telefone e chamei o gerente. Eu, nu em pelo, andava de um lado para outro com as mãos na cabeça... Suava feito cuscuz, dava tapinhas no rosto dela, tentava ouvir o coração, tentava ver a pulsação e nada... Uns cinco minutos se passaram... para mim pareceu uma eternidade. O gerente bateu na porta, eu abri, e ele, como se soubesse o que acontecera, retirou um frasquinho do bolso e passou junto ao nariz da linda cadáver que, como Lázaro, aos poucos, ressuscitou. O gerente me deu um tapinha costas e disse,
— Tome um suco de maracujá. Com essa aí, toda vez, é assim. Daqui a pouco ela estará pronta para outra.
Imagine depois daquele susto... nem com guindaste subiria. Passei o resto do semestre sendo gozado pelos colegas até que outro preconceituoso encarasse a coelhinha...
*Favor não confundir preconceito com discriminação.
Ricardo Matos.

Dia internacional da Mulher e a tirada do Chupeta!


O vi pela primeira vez numa foto com a ‘holla’ de um pastor enfiada na boca. A cena na tela do notbook me chocou. Cena forte para um site político, ainda mais para quem não é chegado em pornografia. Como não o conhecia bloqueei de imediato quem postou e apaguei a postagem. De vez em quando, no Twitter, do nada, surge um VT pornográfico quando você segue alguém sem se dar ao trabalho de ver a quem está seguindo. Quando isso acontece, eu, de imediato, bloqueio a postagem e quem postou e segui minha sina de militante por um Brasil melhor. O que eu não sabia, na ocasião, é que o povo mineiro o havia elegido como o deputado federal, e foi o mais votado do Brasil.

Tudo bem, tempos líquidos ou gasosos, pensei ‘baixinho’, apesar de achar que esse tipo de intimidade não deva ser escancarada, ainda mais em se tratando de um deputado, de um representante do povo no Congresso. Sim, gente: parece que não, mas eu não estou escrevendo sobre pornografia ou sexualidade. Estou escrevendo sobre política. Até o palhaço Tiririca tem mais decoro do que o tal "Chupetinha".

Não. Não falo da foto “vazada” nem pelo fato de “Chupetinha” ser homossexual. Isso é escolha dele e eu não tenho nada com isso. Falo pela atuação dele na Câmara de Deputados. Sim. Sempre houve os corruptos e espertalhões que entraram na política só para se locupletar. Mas até estes malfeitores se posicionam com certa máscara de dignidade. Ladrões, sim. Têm muitos. Pergunte a Arthur Lira que, com o dinheiro público, no governo Bolsonaro, comprava os deputados e senadores com nossa grana do “orçamento secreto” para aprovar as mais degradantes propostas contra o povo... Porém, isso é outro assunto...  

Não sei por que cargas d’água, eu costumo, para ter visão mais clara das coisas, comparar situações e personagens e, dentro dessas comparações, poder julgar.  

Imagino o Dr. Ulysses Guimarães, Dr. Teotônio Vilela, Dr. Waldir Pires, Dr. ACM, Dr. Roberto Requião, até mesmo Dr. Renan Calheiros tendo que engolir este Nikolas Ferreira, de peruca, na casa do povo, tentando ridicularizar as mulheres, no dia delas, com discurso transfóbico.   

  Este Nikolas Ferreira se elegeu na leva bolsonarista. Fico imaginando o que leva os evangélicos a votarem num “animador de torcidas” para gerir as leis de um país. O mundo criou uma leva de “influencer” que está avacalhando com a cabeça da garotada. Bolsonaro trouxe para política nacional o que de pior existe no Brasil...

Brasileiros. Por favor. Pensem antes de dar seu voto a qualquer idiota. São eles quem fazem as leis do país.  

 


 

Especulação Imobiliária em Salvador - Bahia

  A especulação imobiliária em Salvador-Bahia está comprando tudo, até os políticos. O custo disso p população será desastroso. Ano q vem te...